Condições de vida em Moçambique degradadas por pandemia e conflito armado

O relatório anual, que estudou as situações de direitos humanos em 149 países no ano de 2020, esclarece que as medidas de contenção da pandemia de covid-19 foram “pouco adequadas”, com “força excessiva” da polícia, num país que já vive em crise humanitária devido aos confrontos entre grupos armados, forças do governo e uma empresa militar privada em Cabo Delgado.

A organização não governamental Amnistia Internacional acrescentou que Moçambique teve, no ano passado, uma “escalada da repressão ao direito à liberdade de expressão, caracterizada por intimidação, campanhas de difamação, assédio, prisões arbitrárias e processos contra jornalistas, defensores dos direitos humanos e críticos do governo”.

Segundo o relatório hoje publicado, o estado de emergência em Moçambique, de 30 de março a 06 de setembro de 2020, trouxe riscos ao direito à alimentação, com principal impacto negativo nas pessoas dependentes da economia informal.

“As medidas do estado de emergência foram punitivas e aumentaram a insegurança alimentar em zonas marginalizadas”, lê-se no documento.

“Aqueles que saíram de casa para trabalhar ou procurar comida foram sujeitos à força excessiva por parte da polícia e a maior risco de contrair a covid-19. As autoridades não implementaram medidas de segurança social adequadas para protegê-los da fome e dos problemas de saúde”, concluiu a Amnistia Internacional.

A organização registou ainda um aumento na violência de género em Moçambique, pois as vítimas ficaram presas em casa com parceiros abusivos, devido ao confinamento.

Meninas que não podiam ir à escola, por causa do encerramento de estabelecimentos de ensino, corriam mais riscos de casamentos na infância.

Segundo a Amnistia Internacional, a violência na província de Cabo Delgado intensificou-se ainda mais durante as medidas de confinamento, que “agravaram as condições precárias” no norte do país, uma zona que já vive em crise humanitária.

A organização não governamental referiu que o “grupo armado de oposição conhecido localmente como al-Shabab (…) usou o período para intensificar os ataques”, provocando um conflito armado que já resultou em mais de 2.000 mortes acidentais e deliberadas.

“Ao longo do ano, grupos armados decapitaram civis, incendiaram casas, saquearam aldeias e raptaram mulheres e meninas”, frisou a Amnistia Internacional, acusando também as forças de segurança do governo e “uma empresa militar privada contratada pelo governo em Cabo Delgado” de terem estado “implicadas nos assassinatos”.

O relatório acrescenta que a população afetada pelo conflito não teve apoio suficiente, pois “o governo não forneceu abrigo, comida, água, educação ou serviços de saúde”.

Muitos deslocados foram deixados à própria sorte e “dependeram da boa vontade das famílias locais para lhes dar abrigo em Cabo Delgado e nas províncias vizinhas de Nampula e Niassa”.

A organização aponta o dedo às autoridades moçambicanas também por falta de investigações a potenciais crimes de guerra, execuções extrajudiciais de ativistas, desaparecimento forçado de um jornalista e potenciais crimes pelos membros das Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) ou da Unidade de intervenção Rápida.

Segundo a AI, a “impunidade (…) continuou generalizada”, notando que houve muitos casos de crimes ao abrigo do direito internacional e “graves violações e abusos” dos direitos humanos que passaram sem responsabilização.

A Amnistia Internacional relatou também que em junho e julho de 2020 apareceram “provas” fotográficas e videográficas de crimes não investigados pelas autoridades, alegadamente cometidos por soldados das Forças Armadas de Defesa de Moçambique e membros da Unidade de intervenção Rápida.

Segundo o relatório, as vítimas, que se supõe, eram combatentes de grupos armados, foram “torturadas, executadas extrajudicialmente, os corpos foram desmembrados e os cadáveres foram aparentemente despejados em valas comuns”.

Os dados recolhidos pela organização indicam que no final de 2020, meio milhão de pessoas estavam deslocadas e mais de 700 mil precisavam de assistência humanitária em Moçambique.

Texto: Agência Lusa
Compartilhar
Exit mobile version