Covid-19: Fitch prevê descer ratings e recessão de 2,1% na África subsaariana

“A pandemia do novo coronavírus e o choque do preço do petróleo desencadearam um impacto severo nos países soberanos da África subsaariana que analisamos, levando, desde março, a uma descida do ‘rating’ de sete dos 19 países a que atribuímos opinião sobre a qualidade do crédito”, diz a Fitch Ratings num relatório sobre a evolução destas economias nos últimos meses.

“Quatro países soberanos na região têm Perspetiva de Evolução Negativa, o que é particularmente alto, demonstrando os contínuos riscos de degradação dos ratings, enquanto quatro países soberanos têm a classificação de CCC [em Incumprimento Financeiro], e apenas um tem uma Perspetiva de Evolução Positiva, a Costa do Marfim”, acrescenta-se no documento, enviado aos investidores, e a que a Lusa teve acesso.

No relatório sobre a evolução dos ratings dos países da África subsaariana, a Fitch prevê um crescimento económico negativo de 2,1%, em média, este ano, antecipando uma recuperação de 4% em 2021, um valor “que é ligeiramente acima da média de crescimento”.

O choque da descida de preço das matérias-primas, nomeadamente o petróleo, “teve um impacto forte na região através das ligações financeiras e comerciais, e as medidas de contenção interna, com muitos países a imporem restrições de movimentos e recolher obrigatório, causaram uma perturbação severa na atividade económica de muitos países”.

Na análise, a Fitch alerta que os países africanos exportadores de petróleo, como Nigéria e Angola, foram “particularmente afetados”, não só devido à forte dependência direta de financiamento através desta matéria-prima, mas também pela forte ligação do setor não petrolífero à evolução do setor do petróleo.

“Países com uma concentração de receitas no turismo, como Cabo Verde ou as ilhas Seicheles, também foram fortemente afetados”, aponta a Fitch.

A queda das receitas e o aumento da despesa pública no setor da saúde “vai levar a um aumento dos défices orçamentais e dos níveis da dívida pública este ano”, alertam, notando que esta tendência vai manter-se pelo menos até ao próximo ano.

“Apesar de as condições dos mercados financeiros terem atingido uma relativa estabilização, para a maioria dos países a dívida vai continuar a aumentar em 2021 e o acesso a financiamento comercial continua limitado nos mercados internacionais, o que aumenta o risco de haver desafios de liquidez”, alertam os analistas da Fitch.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) disponibilizou linhas de financiamento específicas para combater a covid-19, a que 12 dos 19 países analisados pela Fitch acederam, “mas há mais países que deverão concordar com os programas tradicionais de ajuda do FMI para acederem a financiamento multilateral e bilateral”, acrescenta-se no texto.

Sobre a Iniciativa para a Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), proposta pelo G20 em abril, a Fitch diz que como a sua análise se refere apenas à capacidade de pagamento dos países emissores aos credores privados, “a participação dos países não constitui um ‘default'”.

No entanto, concluem, “apesar de uma moratória mais abrangente do setor privado poder ser qualificada como um ‘default’, isto não parece suficientemente provável para afetar os ratings” dos países.

O relatório da Fitch surge numa altura em que a Comissão Económica para África das Nações Unidas tem estado em reuniões com os ministros das Finanças africanos, na sequência da discussão pública que tem existido nos mercados financeiros africanos sobre como os governos podem honrar os compromissos e, ao mesmo tempo, investir na despesa necessária para conter a pandemia de covid-19.

A assunção do problema da dívida pública como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorrem em abril em Washington, nos quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.

A 15 de abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 milhões de euros, em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.

Além disso, a UNECA, entre outras instituições, está a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.

Este mecanismo financeiro seria garantido por um banco multilateral com ‘rating’ de triplo A, o mais elevado, ou por um banco central, que converteria a dívida atual em títulos com maturidade mais alargada, beneficiando de cinco anos de isenção de pagamentos e cupões (pagamentos de juros) mais baixos, segundo a UNECA.

Os credores privados também já avançaram com um plano que permite diferir os pagamentos da dívida sem influenciar os ratings atribuídos pelas agência de notação financeira, mas o receio de que a falta de pagamento possa cortar o acesso aos mercados internacionais tem levado a que sejam poucos os países a anunciar uma reestruturação da dívida a credores privados.

Texto: Agência Lusa

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