Em tempo de se caçar com o gato

O uso de metodologias alternativas ao ensino presencial, na história da Educação do pós-independência em Angola, advém desta primeira experiência de ensino semi-presencial – iniciada na década de 80, com o PNUD, a UNESCO e o UNICEF – quando ainda nem sequer se falava em internet ou em computadores, porque não existiam. O prolongado estado de guerra civil impunha à formação de quadros do ensino essa inovação metodológica, face à dificuldade de circulação de pessoas e bens, tendo constituído, à época, a única estratégia para a melhoria da qualidade do ensino, através da melhoria das competências académicas e profissionais dos docentes do ensino básico.


Entre 1979 e 1990, através da utilização exclusiva desta metodologia, o Ministério da Educação foi capaz de melhorar o perfil docente de 12.418 docentes em 16 províncias do país, mesmo em contexto de guerra. A meta estabelecida, numa primeira etapa, com várias fases, era de superar 20 mil docentes com a 4ª classe (os chamados monitores escolares), até à 6ª clas-se e, posteriormente, numa segunda etapa, mais 20 mil docentes, até à 8ª classe, antes da viabilização do acesso aos INE’s (Institutos Normais de Educação).


Em tempo de internet e de novas tecnologias de informação e comunicação, o Decreto Presidencial 59/20 de 3 de Março, independentemente de um conjunto de regras que estabelece o seu funcionamento, “reconhece que as modalidades de ensino à distância e semi-presencial podem ter um papel importante no alcance de uma maior equidade no acesso à formação superior, através da possibilidade de beneficiar um maior número de cidadãos na sua frequência”. Para suprir a descontinuidade entre docentes e estudantes, por iniciativa da Entidade de Tutela, viabilizou-se a utilização de processos de mediatização, o que não descorou a utilização do scripto, do áudio e do vídeo, também como suportes que nos permitem distinguir o ensino presencial do ensino à distância e como alternativa aos estudantes carentes de acesso à internet e aos computadores.


Meio ano após a emergência da Covid-19, não se deslumbra sequer a curto e médio prazo o fim desta pandemia, quando nos aproximamos aceleradamente dos 15 milhões de casos positivos e das 600 mil mortes. Não está “nem perto de acabar” – alertam os responsáveis da OMS – pelo que teremos de aprender a conviver com as indispensáveis medidas de bio-segurança, adaptando-nos e a gerindo da melhor forma as novas situações de mudança, porque a vida tem de continuar.


Lamentavelmente, a “missão de bons ofícios” decretada, relacionada com a viabilização do ensino mediatizado para o estudante do ensino superior, tal como começou, também, rapidamente, foi dada por finda, bem antes desta nova experiência metodológica ter tido espaço suficiente de se ensaiar e ser avaliada. Como o óptimo é sempre inimigo do bom ou do possível, imperou, lamentavelmente, o espírito do “bota abaixo” e de ociosidade, resistindo-se à mudança, como é próprio da psicologia da aprendizagem do adulto.


Um trabalho de monitoria levado a cabo pela UNESCO estima que, devido aos efeitos da pandemia da COVID-19, cerca de 776,7 milhões de crianças e jovens em todo o mundo estarão a ser prejudicados pelo encerramento das suas instituições de educação e formação. Independentemente desta máxima ser da autoria de Séneca ou Confúcio, “não há ventos favoráveis quando não se conhecem os rumos”, o momento de se caçar com o gato, quando não se tem o cão, terá de ser maduramente pensado e experimentado, nas actuais circunstâncias em que a inércia deixa de ser boa conselheira, com todas as consequências políticas, económicas e sociais que dela advêm.


As medidas de segurança contra a COVID-19 anunciadas pelos governos africanos, em relação ao encerramento das instituições educacionais e formativas, bem como a impossibilidade de realização de reuniões de trabalho, têm tido um forte impacto negativo na realização de actividades de ensino-aprendizagem e de investigação nas Instituições de Ensino Superior. Mas esta contrariedade constitui também uma oportunidade, para que as universidades africanas viabilizem a introdução de plataformas assentes em tecnologia de ensino e pesquisa. Nesta conformidade, há um número significativo de universidades africanas que já implementaram alguns tipos de sistemas de gestão de e-Learning. Este é o apropriado para que as nossas instituições de ensino superior se posicionem de forma decisiva para institucionalizar o ensino e a aprendizagem com base em tecnologias de informação, adaptando-as, da melhor maneira possível, às suas realidades específicas.


Tal como no anteriormente, em tempo de enormes tragédias e desgraças provocadas pelo longo período de guerra civil em Angola, o Sistema de Educação e Ensino nunca colapsou. Hoje, com o apoio de novas tecnologias e metodologias activas, capazes de viabilizar as aprendizagens nas Instituições de Ensino Superior, o ano académico pode e deve ser salvo.
Os atletas de alta competição precisam de treino físico diário para melhorar o seu desempenho desportivo. Os estudantes precisam de exercício mental diário para treinarem a sua capacidade de assimilação de conteúdos programáticos, para poderem melhorar as suas competências formativas. Caso contrário, deixam-se contagiar pela ociosidade, de onde advêm comportamentos sociais desviantes. Tal com afirmou Deng Xiaoping: “quando não se tem cão, caça-se com o gato”.

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

Jornal de Angola
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