Morreu Francisco Castro Rodrigues, arquitecto que desenhou “o Lobito como cidade moderna”

Francisco Castro Rodrigues, um dos nomes da arquitectura moderna portuguesa e que “construiu a imagem do Lobito como cidade moderna” em Angola, morreu no sábado à tarde, em Lisboa, aos 94 anos, na sequência de uma intervenção cirúrgica.

O trabalho de Castro Rodrigues, diz a crítica de arquitectura Ana Vaz Milheiro ao PÚBLICO, tem “um impacto muito forte porque se localiza fora de Luanda, levando até ao Lobito a arquitectura moderna”. E o Lobito é um pouco dele, porque “construiu a cidade não apenas nas zonas de crescimento, na consolidação do centro histórico, nos edifícios públicos e privados”. Ajudou a desenhar uma cidade moderna “com os elementos que estamos habituados a associar à arquitectura tropical, como os brise soleil”, que impedem o impacto directo do sol nos edifícios.

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Nascido no bairro lisboeta da Graça em 1920, Francisco Castro Rodrigues é também reconhecido por ter traduzido para português com a mulher, a actriz Lurdes Castro Rodrigues, a versão integral da Carta de Atenas, o manifesto saído do IV Congresso Internacional de Arquitectura Moderna e redigido por Le Corbusier que ajuda a definir o conceito do “urbanismo moderno”. Depois de ter estudado arquitectura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, colabora com o Gabinete de Urbanização Colonial, o organismo público criado em 1944 pelo ministro das Colónias Marcello Caetano para urbanizar os territórios ultramarinos portugueses. É nessa fase que participa na concepção do plano director e urbanístico do Lobito e de Nampula.

Em Angola trabalhou e viveu durante 34 anos, estreando-se em 1953 como arquitecto municipal ao serviço do Estado Português (foi director dos Serviços de Urbanização e Arquitectura na Câmara Municipal do Lobito) e mais tarde trabalhando para a República de Angola já depois da independência. Desenhou a Catedral do Sumbe (1966), a Aerogare do Lobito (1964) ou o bairro do Alto do Liro (1970-1973) de 7500 habitações. No Lobito deixou equipamentos de destaque como o Cine-Flamingo (1963), famoso pela sua cobertura de betão suspensa, o Liceu do Lobito (1966) ou o bloco de habitação da Universal (1961). Em Moderno tropical: Arquitectura em Angola e Moçambique, 1948-1975, de Ana Magalhães e Inês Gonçalves (ed. Tinta da China, 2009), a capa pertence precisamente a Castro Rodrigues e ao que resta do Cine-Esplanada Flamingo.

Como contextualiza o arquitecto José Manuel Fernandes em Arquitectura e Urbanismo na África Portuguesa (ed. Caleidoscópio, 2005), “por um lado, o seu trabalho longo e contínuo no Lobito (depois de 75 parcialmente em Luanda) entre 1953 e 1987; por outro, a sua participação, decisiva e simultânea, nos planos municipal, urbanístico, infraestrutural e arquitectónico tornaram Castro Rodrigues num verdadeiro ‘fazedor da cidade moderna’ em relação ao Lobito”.

Ou seja, depois da independência, o militante antifascista – integrou o Movimento de Unidade Democrática, foi membro do Partido Comunista Português (desvincula-se em 1949), esteve preso no Aljube em 1947 e já em Angola é delegado de Humberto Delgado às presidenciais de 1958 – colaborou na reconstrução do país e também na instituição do curso de Arquitectura em Angola. “Uma missão de vida”, diz Ana Vaz Milheiro a partir das conversas que teve com o arquitecto lisboeta, para quem a profissão era um meio para “resolver os problemas reais das populações”.

“Lá em Angola é que nunca [pus o chapéu colonial]”, escreveu Castro Rodrigues em Um Cesto de Cerejas – conversas, memórias, uma vida (ed. Casa da Achada, 2009). “As donas de casa, para se ‘distraírem’, mandavam à esquadra o ‘criado’ com um recado para lhe darem palmatoadas… Logo ali virei ‘angolano’.”

Autor de uma “obra vasta e notável”, como categorizou a arquitecta Cristina Salvador na sua proposta de Castro Rodrigues como membro honorário da Ordem dos Arquitectos (2005), este foi premiado em 2011 pela secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte. Para o júri – do qual fazia parte Ana Vaz Milheiro – a sua obra é “de grande relevância cultural na cena portuguesa, ainda que pouco conhecido das gerações recentes, já que a maior parte da sua obra construída se localiza em Angola, no Lobito, cidade à qual imprimiu um forte carácter urbano a partir dos anos de 1950”.

Dirigiu a Sociedade Nacional de Belas-Artes entre 1945 e 1953 e nas suas obras, integrava peças de artistas plásticos da época como o neo-realista Manuel Ribeiro de Pavia. Regressado de Angola no final da década de 1980, instala-se nas Azenhas do Mar.

“Hoje, as obras do Lobito têm um destino incerto”, diz Ana Vaz Milheiro sobre potenciais planos de demolição, degradação ou desinteresse. “Mas o legado que Castro Rodrigues deixa é uma cidade moderna bem delineada, com sectores claros. Disciplinou a relação entre o porto e a ferrovia”, perspectiva a especialista. Mesmo se os edifícios desaparecerem, fica “o traçado de uma cidade, o urbanismo”.

Texto: Publico
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