Músico Pedrito anunciou fim de 50 anos de carreira

Embora a totalidade das línguas nacionais ocupem uma percentagem de grande magnitude simbólica na origem, formação e contemporaneidade da Música Popular Angolana, o uso da língua portuguesa não foi menos importante, constituindo um dos recursos de expressão artística de prestigiados compositores, ao longo da história da composição de canções angolanas.

Pedrito, para além de dominar com perfeição o kimbundo, reutilizou com enorme sucesso as possibilidades criativas da língua portuguesa, ao longo do processo de criação da sua obra, compondo canções que revelam a intimidade passional, em “Leonor”, reflexões de natureza existencial, com “Farrapo triste”, canção da autoria do cantor e compositor, Zé do Pau (1950-2017), temáticas de conteúdo religioso, “Cântico à Bíblia”, passando pela valorização da tradição, em “Banda mulundu”,vejamos o texto, Banda mulundu/ Ué mamã dilenu/ muetukenehenda/ Uángixisangiubeka/ Tala monamiiódiló. (canção tradicional que relata o comportamento de uma mãe irresponsável que abandona o lar e o filho, privilegiando a rua e o entretenimento).

Pedrito iniciou a sua estreia musical no Ngola Cine, no dia 24 de Dezembro de 1969, numa das sessões do “Dia do Trabalhador”, em espectáculo acompanhado pelo agrupamento Ngola Jazz. Pertenceu ao coro da Igreja São Domingos, em 1973, altura em que foi convidado a integrar o célebre trio “Gambuzinos”, em substituição da guitarra de Filipe Vieira Lopes, com Dualy Jair (guitarra) , Freitas Sebastião (pandeireta). Pedrito diz ter sido influenciado pelos cantores brasileiros Lindomar Castilho e Agnaldo Timóteo, e acusa proximidade estética com o cantor e compositor angolano, Luís Visconde.

Filho de Sebastião Manuel e de Beatriz Adão, José Manuel Pedrinho nasceu na sanzala de Kingongo, Icolo e Bengo, no dia 1 de Outubro de 1954.

Política

Pedrito desempenhou um importante papel no período áureo da canção política (1974-1976), tendo interpretado de forma magistral, uma das canções mais representativas da época em homenagem ao Comandante Gika, herói do MPLA morto em Cabinda, Partiste comandante/ para as fileiras da glória/ deixaste escrito o teu nome/ na história mártir de Angola// Na sombra da nossa bandeira/no coração dos oprimidos/ serás sempre lembrado/ saudoso comandante// Quando os ventos da opressão/nos quiserem um dia sufocar/teu nome levado em memória/ será a força que nos levará à vitória.

Digressões

Pedrito efectuou a sua primeira digressão artística internacional, em 1982, por seis países do leste da Europa e Portugal, com o conjunto musical “Jovens do Prenda”. Em Janeiro de 1983, deslocou-se ao Brasil com o grupo “Semba Tropical”, integrado no projecto “Canto Livre de Angola”. Ainda em 1982, viajou com destino a Londres onde participou em dois espectáculos, que resultaram na gravação do LP “Semba Tropical in London”, um projecto patrocinado pelo empresário e músico moçambicano Abdul Zobaida. Em 1988, voltou a fazer uma digressão ainda com os “Jovens do Prenda”, percorrendo Portugal, França, Inglaterra e Escócia. Neste último país participou no grande espectáculo de solidariedade a favor da libertação de Nelson Mandela.

Distinções

Pedrito venceu o primeiro lugar do “Top dos mais queridos” no dia cinco de Outubro de 1982, realizado pela Rádio Nacional de Angola, repetindo o feito nas edições de 1984 e 1986, tendo conquistado duas vezes o segundo lugar. As várias premiações no “Top dos mais queridos”, valeram-lhe a distinção com três diplomas de mérito, no dia cinco de Outubro de 2012, num acto que assinalou a homenagem aos vencedores do “Top dos mais queridos” ao longo dos trinta anos de existência.

Homenagem

Os cantores e compositores, Pedrito e Robertinho, foram convidados para participar, em Março de 2012, num concerto em homenagem às mulheres angolanas, no Centro Cultural e Recreativo Kilamba, em Luanda, no âmbito do programa Muzongué da Tradição, numa edição que recordou o importante contributo dado pelas vozes femininas na história da Música Popular Angolana, com destaque para as cantoras, Belita Palma e Lourdes Van-Dúnem. Participaram na homenagem as cantoras, São Van-Dúnem, Claudeth Tchizungo, e os cantores, Orlando Loy e Augusto Chacaia, que foram acompanhados pela Banda Chamavo.

Live

Embora já tenha anunciado o fim da sua carreira no projecto, “Cantares da Rainha”, realizado na Casa de Cultura Njinga Mbandi, em Fevereiro de 2020, por ocasião da celebração dos seus cinquenta anos de carreira, Pedrito foi convidado do “Show do Mês”, em 2014 e 2016, e regressou no passado dia 26 de Setembro, para um live na TPA, designado “Palmas de despedida”. No live, Pedrito foi acompanhado pela Banda Movimento com Chico Madne (teclas), Tedy Nsingui (guitarra solo), Kintino (guitarra ritmo), Nino Gomes (teclas), Jeremias Galheta “Mias” (viola baixo), Romão Teixeira (bateria), Manuel Miguel “Correia Miguel” (percussão) Santos Fortuna “Massoxi” (voz e dikanza), Joaquim de Lemos “Mister Kim” (voz principal), Rigoberto (saxofone), Lázaro (trombone), Tchinguma (trompete), Porto (violoncelo), Raimundo (violino), Elizabeth Tavira “Beth” e Neide da Luz, convidada pela Banda Movimento, nos coros. No live, Pedrito interpretou os seguintes temas, “Aleluia”, “Falar com Jesus”, “Eu e você”, “Mu ngongo”, “Medley”, “Farrapo triste”, “Canarinho”, “Leonor”, “Mulher mumuíla”, “Som nosso” (instrumental Duo Canhoto), “Teresa” (Duo Canhoto), “Realidade”, “Avó Béa”, “Kilumba”, “Desespero”, “Kambadiami Luca”, “Comandante Gika”, “Cinco séculos”, “Banda mulundu”, “Muhatukiá funda”, “Ngalengakubata”, “Omboio” (Duo Canhoto), “Militante”, “Raio de amor”,“Massoximami”,”Senhor director”, “Cântico à paz” e “Nzalayátula”.

“Farrapo Triste” e outros momentos discográficos do cantor

Pedrito gravou “Mãe kuebi”, seu primeiro single, em 1971, com a etiqueta Telectra, e um ano depois surgiu o sucesso “Farrapo Triste”. Em 1974, com o mesmo selo, sugiram as canções, “Leonor” e “Cântico à Bíblia”. Ainda no mesmo ano, seguiram-se as canções, “Quando o amor partiu”, “Nga lenga cubata”, “Raio de amor”, “Mãe África, “Mazi” e “Angola mártir”, Esta Angola é grande/ e caberia para todos nós/ fazê-la maior no progresso e no amor/ mas cada vez que matam/ aumentam o rancor/ desta pobre gente/ que tanto escravizaram/ E muangolétubangana até tua fuile…

A canção “Angola mártir” introduziu o compositor no universo da canção política, seguiram-se depois as canções “Militante” e “Senhor director”, dois temas com acentuado cariz satírico.

O single com o tema, “Comandante Jika”, um poema escrito em parceria com o seu companheiro Rufino Cristóvão, que inclui a recolha da canção tradicional, “Banda mulundu”, surgiu em 1976, numa edição do cantor com a etiqueta “Nzaji”, e foi acompanhado pelo conjunto, os Kiezos , à época com Marito Arcanjo (viola solo), Zeca Tyrilene (viola baixo), Gino (viola ritmo), Botto Trindade (contra ritmo), Julinho (tumbas), Juventino (tarolas), e Adolfo Coelho (dikanza). O disco “Aleluia”, o primeiro CD da sua carreira, surgiu em 1994, gravado em Lisboa, e inclui as canções: “NgaKinga”, “Aleluia”, “Vaso quebrado”, “Nzalaya Tula” e “Mulher mumuíla”.

Em 2003 Pedrito gravou o CD “Avó Béa”, disco produzido e editado em Angola pelas edições “Pedrinho Produções”, com arranjos musicais de Moreira Filho, Venâncio, Mikeias, Marito Furtado e Chico Santos, da Banda Maravilha, com a participação da Banda Movimento. “Avó Béa” contou ainda com a colaboração dos cubanos: Pinely, Emílio, Efraím, Robertico, Nelza e Lourdes. Captado nos estúdios da Rádio Nacional de Angola e masterizado em Havana, “Avó Béa” retoma alguns sucessos, e alinha dez faixas musicais: “Massoximami”, “Avó Béa”, “Nzala io nene, medley”, “Raio de amor”, “Canarinho”, “Leonor”, “Senhor director”, “Muhatukiá funda” e “Cântico à paz”. A discografia do compositor conta ainda com o CD “Mensagens de amor”, introduzido no mercado em Dezembro de 2008.

Jomo Fortunato In: Jornal de Angola
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