Sobre o financiamento da Cultura

Durante três semanas, entre as acácias floridas e os jangos, na Vila da Cooperação Espanhola, no Morro Bento, em Luanda, realizou-se o curso de “Empreendedorismo Cultural e Fontes de Financiamento”, no âmbito do projecto Procultura organizado pela União Europeia, em colaboração com o Instituto Camões, a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) e a Embaixada de Espanha em Angola.

Um grupo de trinta e cinco profissionais e responsáveis – entre os quais se encontravam músicos, gestores culturais, galeristas, jornalistas culturais, escritores, directores de centros culturais, actores de teatro, artistas plásticos e funcionários do Ministério da Cultura – participaram no curso, tendo Elisenda Figueras e David Rosselló Cerezuela como prelectores principais e Dalila Salvador como“coordenadora” do curso.
Durante os três últimos dias, como único prelector angolano, nós fomos convidados a animar palestras sobre a sistematização e a produção de conhecimento sobre o assunto, desde uma perspectiva glocal – global e local-. À partida, surpreendeu-nos a variedade dos curriculum vitae dos participantes, a atitude e a postura adoptada, uma vez que não é frequente, nem fácil reuni-los com elevadas intenções, numa formação que se transformou, pelo menos nos dias em que lá estivemos, numa espécie de retiro para reflexão sem limites, nem manias ou obsessões partidárias, nem temas tabús.
Agora que faz calor, entre as belas acácias e os jangos da Vila da Cooperação Espanhola há momentos em que uma brisa ligeira passa rapidamente. Não há nenhum luxo: a agradável sobriedade franciscana ajudava a criar o ambiente propício para pensar sobre os complexos problemas do financiamento da arte e da cultura, em Angola.
Assim, três documentos, nomeadamente, o Decreto Presidencial Nº15/11, que aprova a Política Cultural de Angola, as páginas dedicadas à cultura, no Plano de Desenvolvimento Nacional 2018/2022 e a Lei do Mecenato Nº8/2012, aprovada a 18 de Janeiro com o seu respectivo regulamento, aprovado pelo Decreto Presidencial Nº195/15, que entrou em vigor a 7 de Outubro de 2015, bem como as experiências de gestão dos projectos “Angola, mon amour” (Musée Quai Branly, Paris, 2008), “Angola, Figuras de Poder” (Musée Dapper, Paris, 2011), “Angolana” (Madrid, 2013)e da Curadoria de Arte no Memorial Dr. António Agostinho Neto (Luanda, 2019), entre outros, estiveram no centro das nossas reflexões.
Para complementar, o trabalho de leitura e de pesquisa de sites online em que, periodicamente, aparecem convocatórias e editais, o financiamento de residências, bolsas de estudo e de pesquisa, incluindo, de um modo geral, projectos em todos os formatos e em todas as manifestações artísticas e culturais, fizeram parte da “ementa” apresentada.
Eis, aqui, algumas das propostas discutidas acaloradamente:
– Realização de um diagnóstico amplo, profundo e preciso de todas as áreas do sector, a nivel central e provincial, bem como a revisão, desenho e aprimoramento das políticas públicas para as artes e para a cultura; – Antecipar a actualização global da Lei de Política Cultural prevista, apenas, para 2021;
– Criar uma comissão multidisciplinar para o estudo pormenorizado e a melhoria do lugar, das formas e áreas das artes e da cultura beneficiárias do Plano de Desenvolvimento Nacional (2022/2026), pondo ânfase particular na capacitação dos recursos humanos, na reabilitação e na modernização dos equipamentos e da gestão das instituções culturais existentes, ou que venham a ser necessários criar;
– À margem das verbas atribuídas ao Ministério de Cultura pelo Orçamento Geral do Estado, constituição de um Fundo Soberano, – completo ou como parte de um fundo mais amplo, que pode ser o existente-, cujos juros serviriam para o financiamento de projectos de arte e de cultura, bem como para o incentivo à criação de empresas para o desenvolvimento do sector;
– Criar as condições para, logo que possível, institucionalizar a disciplina de Apreciação das Artes e da Cultura, em todos os níveis e em todos os subsistemas de ensino, como vector de unidade nacional e para uma educação por uma cidadania responsável e activa;
– Assumir a excepcionalidade da cultura como um sector transversal a todas as áreas da economia, sublinhando os seus nexos com os sectores da educação, comunicação social e turismo e colocando no centro de todos eles a criação de um Canal Público de Televisão exclusivamente dedicado à promoção da arte e da cultura.
E aí, então, talvez assim, um dia, quando as instituições artísticas e culturais angolanas deixarem de “fazer de contas que tudo está bem” e organizarem debates ainda melhores, mais amplos e mais profundos do que o realizado no âmbito deste curso e, depois, ainda mais, agirem e experimentarem funcionar como deve ser, outras brisas correrão entre as acácias floridas e os “jangos” do nosso país!

In Jornal de Angola

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