A construção da nação

Antropologicamente, Benedict Anderson define a nação como sendo uma comunidade imaginada, já que não se torna possível conhecer, encontrar ou sequer ouvir falar da maioria dos compatriotas, embora, na mente de cada um, esteja viva a imagem da comunhão entre todos os seus membros.

No actual contexto da paz, do Estado de direito democrático, dos direitos humanos, da unidade nacional e da justiça social, não são as diferenças de carácter cultural, religioso, racial, de género ou de opinião, que separam os angolanos e os impedem de chegar ao bem-estar social. Mas, sim, a falta de sentido de alteridade resultante da intolerância de alguns ao recusarem-se a respeitar e aceitar essas diferenças.
Na filosofia popular “bantu”, há um antigo provérbio que refere o seguinte: “A união no rebanho obriga o leão a ir dormir com fome”. Também Nelson Mandela afirmava que “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, pela sua origem ou ainda pela sua religião. Para odiar as pessoas precisamos aprender e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta”.
As fronteiras dos novos países africanos, na sua grande maioria independentes a partir da década de 1960, já se encontravam delineadas desde a Conferência de Berlim (1884-1885), de acordo com os interesses das antigas potências coloniais. Independentemente de quaisquer reacções sentimentais que o desenvolvimento deste projecto de construção nacional desperte, estamos pois perante uma dura realidade: Os efeitos do Estado-Nação em África após a adopção de um paradigma de nacionalismo que “todos os filósofos políticos tinham ensinado na sequência da Revolução Francesa”. Segundo Elie Kedourie, uma doutrina inventada na Europa, no início do século XIX, e imposta a África, apesar das realidades culturais e das experiências políticas pré-coloniais serem bastante diferentes.
Cabe agora a cada um dos novos Estados africanos a tarefa de criar a nação, enquanto configuração política e intelectual, no seio das diversidades culturais, religiosas, raciais, de género ou de opinião existentes. Um processo educativo que implica na interiorização de uma nova identidade – a nação – que terá de conviver com os diferentes sentidos de pertença adquiridos no seio familiar, grupal ou sociocultural, numa lógica de complementaridade, onde se leve em conta o multiculturalismo como realidade sociológica e a interculturalidade como estratégia de interacção com o “Outro”, aceitando-o no contexto da sua própria humanidade.
Angola deverá ter sido, muito provavelmente, um dos países com maior memória de guerra na história do moderno nacionalismo africano: entre 4 de Fevereiro de 1961, data do início da luta armada contra o regime colonial português e 4 de Abril de 2002, data do Protocolo de Entendimento entre o Governo da República de Angola e a UNITA, passaram-se mais de quatro décadas de guerra aberta, caracterizada pelas seguintes três fases: guerra pela Independência Nacional; guerra civil com o envolvimento de tropas estrangeiras; guerra civil pela extensão da administração do Estado a todo o território.
Neste contexto, referia ainda, em 1998, o sociólogo e escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho: “Pode ser ainda mais chocante e desconcertante admitir, apoiados em constatações situacionais, de terreno, que para uma grande parte das populações angolanas o Estado só é perceptível através das suas expressões explícitas: as do poder armado, uma vez que as outras instituições que materializam o Estado deixaram de estar presentes por quase toda a parte. Ora esse poder-armado, muitas vezes em grandes extensões do território e nalguns casos desde sempre, quer dizer, desde que se atribui a Angola o estatuto de país independente, nem sempre emana do Estado, emana também de formações que aspiram ao controlo do Estado e por isso lutam. As populações lidam portanto sobretudo com expressões de poder que, independentemente das entidades que as accionam, se referem de qualquer forma a um Poder de Estado, ou porque lutam para preservá-lo ou porque o fazem para conquistá-lo.”
O movimento nacionalista angolano, não só por razões de ordem histórica e cultural nasceu e cresceu dividido, mas também, por razões de ordem ideológica, fruto do contexto da guerra-fria. Todos estes factores conjugados estão na origem da divisão do moderno movimento nacionalista angolano e consequentemente na origem de uma guerra fratricida que durou décadas. Angola é pois um Estado-Nação em sedimentação, pois congregou grupos etno-linguísticos, cujos membros estão a ser sensibilizados para a construção de uma identidade nacional e é também um país que nasceu “órfão da guerra-fria”.
A Nação, para ser forte, terá de respeitar e integrar todas as culturas e sensibilidades religiosas e ideológicas em presença, o que implica na necessidade de um processo de educação intercultural, que tenha como propósito a criação da nação de um só povo, como identidade política.

* Ph. D em Ciências da Educação e Mestre em Relações Interculturais

Compartilhar