Benguela com outra pedalada

O seu nome já veio à baila em meados do ano passado, quando um comboio de luxo, com mais de cinquenta turistas de vários países, atravessou o continente africano e foi lá parar: nestes primeiros dias do ano de 2020, se em Angola há uma cidade de que se tem vindo a falar cada vez mais, esta é, certamente, a de Benguela.

As razões não são poucas e algumas são mais comentadas do que outras: o rio Coporolo transbordou isolando a povoação ribeirinha do Luacho do resto da comuna do Dombe Grande, pela quarta vez, enquanto o Presidente da República, João Lourenço, foi lá passar férias, levando a família e aproveitando para, também, receber Félix Antoine Tshisekedi, o homólogo da República Democrática do Congo (RDC), ou porque a ponte sobre o rio Cutembo, entre Benguela e a Huíla, desabou, na sexta-feira, também.
Próximo de Benguela, lá por aquelas bandas, a Huíla e o Namibe reinvindicam um status similar, numa disputa que estimula os orgulhos: ao longo dos anos tornar-se-á mais interessante saber qual dos gestores públicos e de que província melhorará as infra-estruturas básicas (e não só) antes e de maneira mais sólida. Este desafio, no fundo, faz as populações reagirem com uma ansiedade útil.
Entretanto, a conjuntura económica faz com que o desemprego grasse pela província: encontramos vários grupos de jovens sentados nas esquinas, ociosos, sem fazerem nada, como se esperassem por qualquer coisa que, na verdade, pode nunca chegar. É preciso asfaltar mais zonas e suas respectivas ruas, melhorar as calçadas, que possamos ver o branco que marca as passadeiras, que se repense a cidade sem esquecer as ciclovias, para que os munícipes possam pedalar, honrando também e sempre a memória do célebre ciclista Pepino.
É a segunda vez que fui a Benguela, ao Lobito e à Catumbela. Ao contrário da primeira, de maneira imprevisível, desta vez tive o Emanuel Caboco e o Cristóvão Kajibanga como cicerones: o primeiro, mesmo trabalhando em Luanda, conhece o património arquitectónico da cidade como poucos especialistas. O segundo, que vive na província, é como uma espécie de autoridade tradicional, a quem as populações deram o seu nome a um dos bairros.
Caminhei com os dois pelas ruas da cidade: da Praia Morena ao Bairro Benfica, umas vezes a pé e outras não, atravessando a Avenida Fausto Frazão, passando pelo Largo 11 de Novembro, sentindo-me desconfortável quando parámos na esquina entre a rua Diogo Cão e a rua Silva Porto, como se, pela irresponsabilidade de quem deveria ter cuidado de actualizar a toponimia, não estivéssemos em Angola. Andei com os dois, mas o que penso e aqui digo é mesmo só coisa minha.
Foi triste ver a casa da Rua 11, que nos faz recordar Aires de Almeida Santos, toda escangalhada. Com um estado a inspirar muitos cuidados: a Igreja Nossa Senhora do Pópulo conserva aquela magnificência de toda a igreja centenária, o Museu Nacional de Arqueologia, com Maria Helena Benjamim, a sua actual directora, que acaba de publicar, com Manuel Gutiérrez, o livro “Pesquisas Arqueológicas na Baía Farta” (L`harmattan, Paris, 2019), fazem-nos acreditar num futuro diferente.
Apesar de que jantar no Restaurante Batuk, no Lobito, é agradável, isso não nos fez esquecer que, bem perto dali, o Museu Etnográfico do Lobito está a precisar de uma intervenção de emergência, tanto para a reabilitação do edifício como para o cuidado do seu acervo e colecções, incluindo para a reanálise do seu conceito, para delimitar o seu escopo, bem como para capacitar os seus recursos humanos.
Nesta época do ano, as acácias já floriram, da corrente fria não se ouvem notícias, faz calor e a poeira cobre as ruas da cidade. Num momento em que as autoridades da província admitem, com veemência, que, como acontece um pouco por todo o país, “estamos a ganhar juízo”. Ao que nos parece, o governo da província está empenhado em ir fazendo a sua parte, mas, como é evidente, faltam mais recursos económicos, financeiros e humanos para que a cidade de Benguela tenha mesmo outra pedalada.

In: Jornal de Angola

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